domingo, 29 de novembro de 2009

objetos

silêncio invade
e não se ouve nada
- ou quase nada -
um resquício de som perdido
acode em plena madrugada

lembranças imagens
têm cor
comidas doces molhos
aromas
sabor

buscam-se as pontas
alucinadas
é preciso alinhavar o tato
quer-se a pulso desatar os nós

mas como recuperar a voz?
`

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

mãe

a sombra cresce
ora e diminui
mas não se vai
embora cubra
a janela tão somente
cinza opaco
o diferente
é que logo cedo
bem na hora
pia da madrugada
insone invade
o quarto a aurora
posta toda numa
nesga de luz
fugidia e amarela
...
...

ah
que saudade tenho dela

para nilza
21.06.1936 - 15.11.2009
'

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

epílogo


tanto já quis ir com as ondas

agora queria ser onda
liquefazer-me
misturar-me em solução
minhas águas com meus sais
deixar-me estar assim
a desfazer-me
em água marítima verdeazulada
indo e vindo ao sabor
das marés e intempéries
sem vontades
sem resistência
deixando sobre a areia
apenas a marca amorosa
em branca espuma

menina: olha, mãe! um elefante!
mãe: ...
menina: o que ele está fazendo aí, sozinho, na praia?
mãe: nada, filha...
menina: nem sabia que elefante nadava!
mãe: nada, filha, nada...
`
imagem: Lonely Elephant, Leila Bibizadeh

domingo, 1 de novembro de 2009

Pensando na Vida: sem Eros e sem Civilização

Passam os anos, progridem as tecnologias, e a natureza humana continua a mesma. Surpreendente. Ou não...

Na idade média, elas eram bruxas. Que mulheres! Como ousavam ferir os castos olhares dos padres e dos carolas com seu desejo histericamente transbordante? À fogueira com elas!

Desde então o mundo passou por tanta coisa... Guerras, astronautas, anticoncepcionais, HIV, bebês de laboratório, Hiroshima... E eis que de repente, em pleno século XXI, na super cosmopolita metrópole paulistana, o fenômeno se repete.

Ao invés de fogueira, YouTube. Ao invés de inquisidores, estudantes universitários. Sim, pasmem! Estudantes universitários, o que serve para nos lembrar o quanto o saber racional não dá conta das complexidades do desejo...

Qual foi o pecado da moça? Decidir vestir-se de forma “inadequada” para o ambiente escolar. Muito grave, de fato! Afinal, o que estraga o mundo é mesmo o tipo de roupa que um ser resolve vestir... Todo o resto vai tão bem...

A moça exibiu-se em decotes e transparências? É puta! Foi à faculdade com as pernas de fora? É puta! Ousou provocar os desejos alheios? Pois que seja estuprada! Quase linchada, saiu do prédio escoltada pela polícia e abrigada, ironicamente, num jaleco branco.

Que o desejo subverte, não é novidade. Que o moralismo é uma defesa de quinta categoria para sujeitos que não sabem o lugar certo de colocar o próprio desejo, também não é. Freud tem páginas e páginas acerca dessa questão...

A questão nova aqui é o fato de que essa fogueira tenha ocorrido numa instituição teoricamente voltada ao ensino e ao saber. Absurdo dos absurdos, é que não li nenhuma única manifestação da cúpula dessa “universidade” criticando a barbárie cometida por seus “alunos”.

Melhor assim. Enquanto houver um Judas a se oferecer para ser malhado, ninguém precisa olhar para o espelho à busca das próprias traições. Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo, queime todas as bruxas e nos deixe dormir tranqüilos, na hipocrisia de nossos sonhos eróticos inconfessáveis!


http://www.youtube.com/watch?v=4jfLMrpHM1I