Eram turvas aquelas águas e o cheiro não era bom. Pedras escuras, cheias de limo, davam um contorno sombrio aos tanques. Neles, as carpas sobressaíam. Era um contraste, aqueles bichos vermelhos, alaranjados, cada qual com sua estampa, como se alguém os tivesse pintado a mão. Tudo em volta parecia tão morto, só os peixes eram testemunhas da sobrevivência. Irônico, que a vida estivesse restrita àqueles animais frios de olhares baços.
Havia no parque muito mais sombra do que luminosidade. Como a vida. Aqui e ali, há um clarinho, um sol, um pouco de calor, mas, no correr dos dias normais, dos dias iguais, sem vicissitudes, havia o parque.
A menina lá rodopiando, passava do escuro à luz, num ir e vir, sem se dar conta. O brinquedo era barato: um guarda-chuvinha de papel plissado, colorido, como lanterna chinesa, de crepom. Sinhazinha de outros tempos, dançarina de frevo, trapezista, ela era um pouco de cada gente que, supunha, vivia muito e intensamente. Sonhava.
Mas a melhor parte era sempre ir ver as carpas. Jogava-lhes bolinhas de miolo de pão e não sabia se ficava mais atenta aos peixes ou aos círculos que se espalhavam, concêntricos, pela superfície. Imaginava-se como um círculo daqueles, a se espalhar na água, dissolvida. São ondas, dissera uma vez o pai. Então, há alguém que joga pedras em algum ponto distante do mar? É assim que as ondas chegam à praia? O pai sorria e lhe afagava o cabelo. Riam.
A chuva de verão caiu pesada e quente. Desinformada da natureza das coisas, pôs-se debaixo do aguaceiro com o guarda-chuva de papel. Rapidamente ele perdeu a cor, depois a forma, até que se desfez. Tons de verde, turquesa, rosa e amarelo escorriam-lhe pelo braço, pela roupa clara, pelas pernas. À medida que corria, mais a água da chuva e o choro iam espalhando as cores em seu corpo. Será que as carpas tinham tido também um guarda-chuva de papel crepom? Será...?
Tinha sempre na cabeça uma pergunta, uma questão, um por quê. Cultivava sempre a idéia estranha de ser um bicho de água, nascido em terra seca por engano. Ou então, pensava que vivia no continente errado, ou num tempo que não era o seu. Eram os jeitos que a meninice encontrava para circunscrever a sensação definitiva de não pertencimento. Vivia como as carpas coloridas, contrastantes de seu cenário.
Passou o tempo, acabou-se o parque. Devem ter morrido todos os peixes. Acabou-se a menina. Devem ter morrido todos os sonhos. Sobrou dela, apenas, uma mulher fora do lugar. Uma mulher colorida, em eterno contraste com o cinza do mundo.
Havia no parque muito mais sombra do que luminosidade. Como a vida. Aqui e ali, há um clarinho, um sol, um pouco de calor, mas, no correr dos dias normais, dos dias iguais, sem vicissitudes, havia o parque.
A menina lá rodopiando, passava do escuro à luz, num ir e vir, sem se dar conta. O brinquedo era barato: um guarda-chuvinha de papel plissado, colorido, como lanterna chinesa, de crepom. Sinhazinha de outros tempos, dançarina de frevo, trapezista, ela era um pouco de cada gente que, supunha, vivia muito e intensamente. Sonhava.
Mas a melhor parte era sempre ir ver as carpas. Jogava-lhes bolinhas de miolo de pão e não sabia se ficava mais atenta aos peixes ou aos círculos que se espalhavam, concêntricos, pela superfície. Imaginava-se como um círculo daqueles, a se espalhar na água, dissolvida. São ondas, dissera uma vez o pai. Então, há alguém que joga pedras em algum ponto distante do mar? É assim que as ondas chegam à praia? O pai sorria e lhe afagava o cabelo. Riam.
A chuva de verão caiu pesada e quente. Desinformada da natureza das coisas, pôs-se debaixo do aguaceiro com o guarda-chuva de papel. Rapidamente ele perdeu a cor, depois a forma, até que se desfez. Tons de verde, turquesa, rosa e amarelo escorriam-lhe pelo braço, pela roupa clara, pelas pernas. À medida que corria, mais a água da chuva e o choro iam espalhando as cores em seu corpo. Será que as carpas tinham tido também um guarda-chuva de papel crepom? Será...?
Tinha sempre na cabeça uma pergunta, uma questão, um por quê. Cultivava sempre a idéia estranha de ser um bicho de água, nascido em terra seca por engano. Ou então, pensava que vivia no continente errado, ou num tempo que não era o seu. Eram os jeitos que a meninice encontrava para circunscrever a sensação definitiva de não pertencimento. Vivia como as carpas coloridas, contrastantes de seu cenário.
Passou o tempo, acabou-se o parque. Devem ter morrido todos os peixes. Acabou-se a menina. Devem ter morrido todos os sonhos. Sobrou dela, apenas, uma mulher fora do lugar. Uma mulher colorida, em eterno contraste com o cinza do mundo.
fonte da imagem: http://kucharek.com/Picture%20064.jpg
Um comentário:
E que as pessoas coloridas possam se multiplicar - A humanidade agradece!
Parabéns pela crônica: leve e com sabor de algodão-doce! :)
Obrigada pela visita e pelo convite para conhecer o seu blog. Gostei bastante do espaço!
Abraços,
Lou
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