terça-feira, 21 de dezembro de 2010

RETALHOS



era bonita a menina

e a vida toda clara,

reluzente em bordados de suave cor-de-rosa,

recendia a filhoses,

bolinhos de chuva e brigadeiros

e a cada dia seguia-se outro

no passar delicado e descontínuo

de um tempo quase rotineiro


foram sutis as mudanças

e vieram tão silenciosas

que marcaram faces e flores

com quase imperceptíveis sinais:

umas rugas, menos brilho

aqui e lá um esmaecimento de cores

uns sonhos a menos, nem sempre vívidos

umas lembranças a mais


porém, em algum ponto do ser,

entre a pele e as entranhas

o agora e o antes se fundiam

num pulsar sépia de desejos

e, para além do corpo, uns beijos

carícias, companhia e cálida intimidade

produziam ondas de vida

onde a morte já era tamanha


e, em algum ponto do cosmo,

entre a luz pálida e o brilho de estrelas

as memórias embaralhadas

reconstruíram o caleidoscópio dos dias:

puseram pontos, pincelaram vírgulas

recontaram a movediça métrica,

revestindo o cotidiano insosso

com retalhos de pura poesia


imagem: Danceuses en Bleu, Edgar Degas

Um comentário:

Renata de Aragão Lopes disse...

Márcia,

que delicadeza há
em cada estrofe...

Lindo!

Beijo,
Doce de Lira