quarta-feira, 29 de abril de 2009

babel


inter texto
interlúdio
inter língua
inter lúdico

many languages
sprechen
too many Sprachen
zu viele langues
muchas muchas
muchas gracias
bien venida guapa muchacha
que nenhum almoço é de graça
nothing never
noch nie or nada

truques e tricks
fricotes freaks
break your breques
no bric-a-braque
sem chiliques no remix!

por mais que o fluxo
seja belo e fale
resiste o cartaz amarelo:
stop!
arrête!
cale!

sem censura
se censura:
shut up!
ta gueule!

clausura
'
imagem: Entropic Angst, Scott Chitwood

segunda-feira, 27 de abril de 2009

[há os laços..]

há os laços

às vezes frouxos
iludem libertação
mas lá estão
sempre os laços

raízes
que se entrecruzam
penetram
fixam
e confundem
asfixia com abraço

... é que entre liberdade e solidão basta um passo...

'

sábado, 25 de abril de 2009

Pensando na Vida: Será que Susan Boyle leu Virgílio?


Freud era um homem culto, mas pouco afeito a citações. Talvez por isso, chame tanto a atenção o fato de que ele tenha usado uma epígrafe na primeira página da primeira edição de sua Interpretação dos Sonhos, em 1900. A frase, retirada do poema Eneida, de Virgílio, poderia ser livremente traduzida assim: “Se não puder mover as forças do céu, moverei as do inferno”. Com sua inteligência e humor sutil, Freud pôs lenha da fogueira das discussões sobre o funcionamento da mente humana, discussões que, diga-se de passagem, sobreviveram a ele e à mudança de século. Para simplificar, a idéia fundamental que subjaz a tudo o que ele escreveu está metaforizada nessa epígrafe, escolhida para abrir a obra que funda o edifício da psicanálise. O que diz ela? Algo como: há algo no cerne do humano que resiste a quaisquer tentativas de sufocar, prender, represar, domesticar, uniformizar, pasteurizar, adaptar... Há algo que sempre escapa às rédeas. Há algo que pulsa, que movimenta, e que empurra o sujeito vida afora, numa busca sempre desafiadora do bom senso e dos bons costumes.


Nesta semana, o mundo conheceu Susan Boyle. Ela tem 47 anos. Passou todo esse tempo incógnita, perdida dos olhares públicos num vilarejo qualquer da Escócia. Ela é feia, gorda, não parece muito brilhante do ponto de vista intelectual. Ofereceu-se ao pouco caso da platéia, vestida com um modelo saído do baú dos anos 60. Confessou, despudorada, às câmeras deste nosso mundo hiper-sexualizado, que nunca namorou, nunca foi beijada. Susan Boyle é a contramão do fashion. E, no entanto, ela canta. Canta bem, canta forte, afinada. E não há de ter sido por acaso que escolheu uma canção que repete “I’ve dreamed a dream...” para jogar na cara dos jurados estupefatos do Britain's Got Talent.


O que virá a seguir? Provavelmente ela gravará um CD. Na capa, aparecerá repaginada. Aliás, um jornal de grande circulação em São Paulo, já usou essa expressão para ilustrar fotos de Susan mais bem arrumadinha. O multiprocessador de pessoas, que é a dita sociedade de consumo, vai moer a Susan, provavelmente. E não faltará quem teça elogios rasgados à sua “melhora”, ou ao seu “progresso”, ou seja lá que palavra bonita se quiser usar usar para dizer que ela se tornou comum. Uma pena. Não se trata de pessimismo. Esse fenômeno já ocorreu antes, muitas vezes. O rock’n roll, o movimento hippie, os punks, só para citar os exemplos mais recentes, estão aí para ilustrar esse percurso.




Mas o que não se pode perder de vista é o momento. O instante de sua aparição e os efeitos dela. Quando o desejo irrompe e sobrepuja as forças da cultura, há sempre surpresa. Uma espécie de perplexidade misturada com inveja e horror. Quem não gostaria de ter a coragem de Susan Boyle? A platéia aplaudiu seu canto, sim, com certeza. Mas aposto que aplaudiu também sua coragem. Aplaudiu por reconhecer naquela mulher velha, gorda e feia, uma coragem que não tiveram. Por que manter-se fiel a si próprio, ao sonho que se acalenta, o desejo mais íntimo, é talvez a tarefa mais difícil para o homem aculturado. Quem nunca sonhou em gritar algo ao mundo, algo inesperado, subversivo ou imoral? Quem? Susan Boyle somos todos nós, criaturas feitas de carne, osso e desejos. Aproveitemos, então, esses minutos de satisfação... porque eles duram pouco, mas nem por isso valem menos a pena!

`



quinta-feira, 23 de abril de 2009

blocos


quarta-feira, 22 de abril de 2009

ex pulsão

sempre os mesmos temas
se repetem
voltam
retrocedem
disco quebrado
soluço
sízifo sobredeterminado

os mesmos velhos temores
abrem outros labirintos
portas
becos
corredores
e o que parecia muro
portão fechado
ou sem saída
de repente vira mar
água que pulsa
vida

'

segunda-feira, 13 de abril de 2009

quinta-feira, 9 de abril de 2009

poetrix na cabeça

I
ser ou não serotonina:
eis a questão
que desatina


II
delicadamente dissecava
um a um, os neurônios...
e nada de achar os sonhos!
'

terça-feira, 7 de abril de 2009

a coisa


quando ela vem
nada posso
então me rendo

é uma onda
um raio, um choque
me atravessa
ultrapassa-me o corpo
me transcende
me transforma
e mesmo rindo
sou refém

quando ela vem
não sou mais eu
viro veículo
meio, apenas
vou correndo
flecha

o tudo
o sempre
o mais querendo
a vida plena
é a meta

segunda-feira, 6 de abril de 2009

[pus meu olhar no horizonte...]

pus meu olhar no horizonte
a ver se enfim chegavas ...
sol nasceu e sol se pôs
onda veio e maré foi
tanto vento, tanta areia
e nada...
uma gota que caía dos meus olhos
à água do mar se misturou
sal marinho, doce pranto
partiu o tempo
quebrou o encanto
e de tanto esperar
estático
meu amor enregelou...
'

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Crônicas Íntimas II: Carpas




Eram turvas aquelas águas e o cheiro não era bom. Pedras escuras, cheias de limo, davam um contorno sombrio aos tanques. Neles, as carpas sobressaíam. Era um contraste, aqueles bichos vermelhos, alaranjados, cada qual com sua estampa, como se alguém os tivesse pintado a mão. Tudo em volta parecia tão morto, só os peixes eram testemunhas da sobrevivência. Irônico, que a vida estivesse restrita àqueles animais frios de olhares baços.
Havia no parque muito mais sombra do que luminosidade. Como a vida. Aqui e ali, há um clarinho, um sol, um pouco de calor, mas, no correr dos dias normais, dos dias iguais, sem vicissitudes, havia o parque.
A menina lá rodopiando, passava do escuro à luz, num ir e vir, sem se dar conta. O brinquedo era barato: um guarda-chuvinha de papel plissado, colorido, como lanterna chinesa, de crepom. Sinhazinha de outros tempos, dançarina de frevo, trapezista, ela era um pouco de cada gente que, supunha, vivia muito e intensamente. Sonhava.
Mas a melhor parte era sempre ir ver as carpas. Jogava-lhes bolinhas de miolo de pão e não sabia se ficava mais atenta aos peixes ou aos círculos que se espalhavam, concêntricos, pela superfície. Imaginava-se como um círculo daqueles, a se espalhar na água, dissolvida. São ondas, dissera uma vez o pai. Então, há alguém que joga pedras em algum ponto distante do mar? É assim que as ondas chegam à praia? O pai sorria e lhe afagava o cabelo. Riam.
A chuva de verão caiu pesada e quente. Desinformada da natureza das coisas, pôs-se debaixo do aguaceiro com o guarda-chuva de papel. Rapidamente ele perdeu a cor, depois a forma, até que se desfez. Tons de verde, turquesa, rosa e amarelo escorriam-lhe pelo braço, pela roupa clara, pelas pernas. À medida que corria, mais a água da chuva e o choro iam espalhando as cores em seu corpo. Será que as carpas tinham tido também um guarda-chuva de papel crepom? Será...?
Tinha sempre na cabeça uma pergunta, uma questão, um por quê. Cultivava sempre a idéia estranha de ser um bicho de água, nascido em terra seca por engano. Ou então, pensava que vivia no continente errado, ou num tempo que não era o seu. Eram os jeitos que a meninice encontrava para circunscrever a sensação definitiva de não pertencimento. Vivia como as carpas coloridas, contrastantes de seu cenário.
Passou o tempo, acabou-se o parque. Devem ter morrido todos os peixes. Acabou-se a menina. Devem ter morrido todos os sonhos. Sobrou dela, apenas, uma mulher fora do lugar. Uma mulher colorida, em eterno contraste com o cinza do mundo.


fonte da imagem: http://kucharek.com/Picture%20064.jpg

quarta-feira, 1 de abril de 2009

[a insônia é boa...]


a insônia é boa
quando, aberta a janela,
o ar se enche
do aroma adocicado

dama-da-noite
me envolve
em seu carinho perfumado
e, ohos fechados no silêncio pleno,
tornam-se olfato
todos os sentidos

lembranças de cheiros
numa sequência encadeadas
formam sonhos
indormidos


'
imagem: dama-da-noite
fonte da imagem: http://www.usefilm.com/images/2/7/2/8/2728/698492-medium.jpg