terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Queridos leitores do PoeticaMente
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Há muito pensava em, de algum modo, tornar públicos meus escritos. Este canal democrático que é a internet me permitiu pôr em marcha esse desejo. Escrevo porque gosto, porque acho que as palavras são seres um pouco mágicos, como elfos ou gnomos que, apesar da invisibilidade, são muito poderosos, dizem... As palavras são nossa marca registrada, são a assinatura do humano. Brincar com elas, apropriar-me delas para criar efeitos de sonoridade e sentido é algo que me diverte e, espero, possa por vezes agradar a alguns leitores.
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Hoje decidi não postar texto meu. Optei por fechar o ano com uma dessas mensagens que se podem ler muitas vezes, pois têm o poder de sempre deixar algo novo na alma que a recebe. Pelas palavras de Drummond, deixo meu agradecimento a todos que frequentaram o blog, ou que vieram parar aqui por acaso e se dispuseram a gastar uns minutinhos para ver o que estava escrito.
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Durante o mês de janeiro, farei um recesso. Convido-os a relerem o que gostaram, a comentar o que acharem cabível, a criticar o que lhes parecer pertinente. Em fevereiro retomarei as postagens sistemáticas, e espero sempre por seu retorno a esta página.
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Que saibamos fazer, cada um de nós e todos, um Ano Novo de fato novo!
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Grande abraço.
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Marcia Szajnbok
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Receita de Ano Novo


Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)

Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo,
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
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sábado, 27 de dezembro de 2008

imperativos contemporâneos

não fume
beba pouco
emagreça
não chore
caminhe
relaxe
esqueça o chocolate
trabalhe
produza
tome o remédio
faça exercício
evite desperdício
se aliste
se proteja
ômega três
preservativo
antidepressivo
seja educado (mas não muito)
melhor também não ser muito criativo

comprecomprecomprecomprecompre
com pressa
não meça
o preço
o gasto
melhor o caro do que o maior barato

viva bem
dentro do esperado
do padrão
asséptico
e pasteurizado
não esqueça de pôr na cara
teu melhor sorriso
plastificado

seja feliz!
.................
... como?

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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Natal do Brasil


O Natal no Brasil não tem neve.


A maioria das nossas crianças não é loira, nem tem olhos azuis.

A maioria das nossas crianças não acredita em milagres de Natal.

Muitas delas não acreditam em nada.

Muitas não têm uma casa, onde Papai Noel poderia chegar.

Outras tantas não têm nem pai de carne e osso.

E, dentre as que têm, há muito mais ossos do que carne nesses pais, e nelas próprias.


O Natal no Brasil não é a decoração da Avenida Paulista.

Nem o brilho dos shoppings.

Nem brinquedos importados.

Nem perus gordos, vinhos, castanhas e uvas.


O Natal do Brasil é só uma esperança.

É um riso de graça ou o brilho no olhar do garoto na esquina quando recebe, de mão anônima, um doce comum, um brinquedo usado, um mimo qualquer.

Um gesto.


O Natal do Brasil não pode estar apenas dentro das nossas casas fartas.


O Natal do Brasil depende das nossas mãos anônimas.



Boas Festas


(Assis Valente)


Anoiteceu, o sino gemeu

E a gente ficou feliz a rezar

Papai Noel, vê se você tem

A felicidade pra você me dar

Eu pensei que todo mundo

Fosse filho de Papai Noel

E assim felicidade

Eu pensei que fosse uma

Brincadeira de papel

Já faz tempo que eu pedi

Mas o meu Papai Noel não vem

Com certeza já morreu

Ou então felicidade

É brinquedo que não tem...
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Desejo a todos um Feliz Natal!
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quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

caleidoscópio


vermelho verde
flores

azul amarelo
gatos

rosa roxo
pingos

turquesa preto
barcos

verde azul
mares

amarelo preto
laços

vermelho rosa
vinhos

turquesa roxo
arcos

luz e vidro
cacos
cálidos

olhar e fantasia
brilhos
mágicos


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sábado, 13 de dezembro de 2008

[saudade...]


saudade
um pedaço de mim que ficou para trás
um pedaço de ti que comigo deixaste

um porque sem reposta
um adeus nunca dito
foste embora em silêncio
eu calada fiquei

tanto tempo, meu bem, tanto tempo...

a saudade é a semente
que brotou de repente
a saudade é o laço
que me deu teu abraço
que juntou num inteiro
o que era pedaço

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

círculos


vai a pedra n’água

ondulatória criando
círculos mágicos
que se reproduzem
concêntricos
vão agitando
a superfície do lago
antes plácido...

mas não há física
que explique
as ondas de sentimento
que do fundo da alma
de outros mundos
de outros tempos
me vêm à boca
me vêm aos olhos
me afogam numas lembranças...

umas alegres
me trazem musica
calor, abraço
saudade boa de tempos doces
risos
crianças

outras tão tristes
que me perseguem
que sempre insistem
e abrem o solo
ante meus pés
num repetir-se
de quase passo
à beira de escuro abismo...

não te quero!
vai-te embora
dor mortífera e obsessiva!

me quero rubra
me quero leve
me quero luz, cor e calor

me quero por um instante
infinitamente viva!

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terça-feira, 9 de dezembro de 2008

idas vindas


hora
passa o agora
amanhã já é hoje
e ontem num instante
foi-se embora

vida
cicatriza a ferida
põe em todo encontro
o acorde dissonante
da partida



imagem: Pôr do Sol em Juquehy, Marcia Szajnbok

sábado, 6 de dezembro de 2008

indriso


devia ter sempre tons suaves a aquarela
em que retratava-me em teus olhos
devia ser em tons de azul, lilás ou rosa

a claridade que entraria da janela
e numa aura transparente me verias
e qual barco indo à deriva chegaria

perto do teu coração com minha vela

e nunca mais de solidão tu sofrerias

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imagem: Aquarela do francês Debret, pintada em 1826 ou 1827, mostra São José da Terra Firme a partir da fragata de Dom Pedro 1o; a obra integra o acervo do Iphan/Museus Prestes Maia. FOTO REPRODUÇÃO

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Ícaro


vai alto meu olhar
cai bem no céu de nuvens
o coração está calmo
- vôo...

há em mim um sentir plácido
um saber atemporal
que recria o meu melhor
- subo...

deve ser divina a possibilidade
do dar sem se perder
o amor quer sempre espaço
- migro...

mas a realidade escura
derrete-me as asas de cera
e, estatelada, desperto
- só...


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terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Diferenças

diferenças não são o fim
antes, o início, o que atrai,
a chama...

diferente é todo o não-eu que me circunda
e que observo, perplexa ou curiosa
diferente é o que não conheço
diferente é minha imagem no espelho
o isômero enantiomorfo imperfeito
sou eu mesma pelo avesso

diferente é o que quero, o que me encanta
amar o igual não é amar, é amar-se...
amar o diferente é expulsar narciso
e, mesmo que por momentânea entrega,
ver o mundo por diversos olhos...

por um instante desapareço
e desse encontro mágico retorno
mais feliz
e mais do que nunca consciente
de quem sou
e do que posso...