sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

VOTO

despede-te do sol que se faz poente
saúda anova noite com uma prece
recebe com um brinde cada estrel

ouve a voz do vento a cantar contente

pontua a metonímia dos dias
com uma vírgula ou um traço
inventa rimas pr'o tempo virar poesia

sê feliz no ano novo, diariamente!



Queridos amigos que me acompanharam durante mais este ano, desejo a todos que 2011 nos traga paz, saúde, amor e muita criatividade!

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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

RETALHOS



era bonita a menina

e a vida toda clara,

reluzente em bordados de suave cor-de-rosa,

recendia a filhoses,

bolinhos de chuva e brigadeiros

e a cada dia seguia-se outro

no passar delicado e descontínuo

de um tempo quase rotineiro


foram sutis as mudanças

e vieram tão silenciosas

que marcaram faces e flores

com quase imperceptíveis sinais:

umas rugas, menos brilho

aqui e lá um esmaecimento de cores

uns sonhos a menos, nem sempre vívidos

umas lembranças a mais


porém, em algum ponto do ser,

entre a pele e as entranhas

o agora e o antes se fundiam

num pulsar sépia de desejos

e, para além do corpo, uns beijos

carícias, companhia e cálida intimidade

produziam ondas de vida

onde a morte já era tamanha


e, em algum ponto do cosmo,

entre a luz pálida e o brilho de estrelas

as memórias embaralhadas

reconstruíram o caleidoscópio dos dias:

puseram pontos, pincelaram vírgulas

recontaram a movediça métrica,

revestindo o cotidiano insosso

com retalhos de pura poesia


imagem: Danceuses en Bleu, Edgar Degas

domingo, 19 de dezembro de 2010

TINTAS









melhor teria sido ir em frente
vida afora, desatenta,
na placidez azul e melancólica
da quase repetição cotidiana

sem tropeço, sem soluço, sem surpresa

(é que nunca se sabe ao certo
como virá a ferida)

quando o sangue veio em jorro
o universo contorceu-se
o mundo gritou em cólicas
imerso no inesperado vermelho

o corpo, a estrada, as certezas

(é que nunca se ouve direito

a antiga voz que, sussurrando, grita)

ainda que atordoada,
um pouco trôpega e perplexa

pôs-se em marcha pois, sedenta,
intuía outras cores na entediada paleta


a tingir risos, esperas, tristezas


(é que nunca se pensa a tempo
que a tinta é sempre finita)

melhor teria sido, quem sabe,
seguir cega em mundo negro
mas o olhar tingido de luzes
se recusa ao escuro e ao deserto

é ávido de prazer, de movimento e beleza


(é que sempre há um pulsar que acende
mais e mais a veia colorida)


(é que nunca se vê bem claro
qual é ponto final da vida
)
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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

THE WIND IS OVER



fartas da servidão clerical dos sentidos
lançaram-se ao abismo todas as palavras
reduzidas a migalhas
meras letras desatadas
testemunham a falência irreversível das respostas

morto deus e morto marx
o que será de nós agora
apatetados diante de tantos sonhos mudos?

(pobre lucy!
seus diamantes eram só vidro barato
espatifados ao raiar do novo vírus
nem de tapete serviram para o seu amor passar...)

que fazer desses mal ditos
para que não nos calem as bocas
e sustentem nosso grito?

numa
vida sem razão de ser
jogam
-se os dados do acaso
nas roletas russas da aposta:
quem é que ousa viver?



Este poema, assim como os próximos nove que publicarei aqui, foram escritos durante o "Sexto Desafio dos Escritores" do Espaço Cultural da Câmara dos Deputados, do qual tive o prazer de participar e a alegria de obter a primeira classificação no gênero Poesia.
Visite o site do Desafio: http://desafiosdosescritores.sites.uol.com.br/

domingo, 5 de dezembro de 2010

EU, MAR(CIA)


há dias assim:
liberta do peso do corpo
queria experimentar a fruição total de ser pura alma
pura insubstância
só energia
matéria-free

desfazer-me em cores
em sons e cheiros
epalhar-me, melodia, pelo ar
seguir, seguir
sempre adiante, sem volta
- sem ceder à tentação da volta -
até estar totalmente diluída
tornar-me parte do azul do mar

domingo, 24 de outubro de 2010

DOMINGUEIRA


nas tardes de domingo a vida pára

corpos estáticos e olhos fechados
oferecem ao tempo menor resistência

na imobilidade, há pássaros invisíveis
presentes apenas nos arranjos dissonantes

que invadem as janelas vespertinas


os pensamentos alados

seguem, leves, a música expressionista


nas tardes de domingo a vida espreguiça



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imagem: Autumn in Bavaria, W.Kandinsky, 1908

fonte da imagem: http://picasaweb.google.com.br/filosofiausp09/Expressionismo#5381482660109949586

domingo, 17 de outubro de 2010

PENSANDO NA VIDA: PARA ALÉM DA MIXARIA

Você sabe o que é o Movimento Mais Feliz? Pois bem, até ontem eu também não sabia. Trata-se de um “movimento apartidário, não governamental e não assistencialista que se sustenta em cinco pilares: conscientizar a população, mobilizar a sociedade, estimular a participação, capacitar multiplicadores e motivar as pessoas a se doarem. A defesa da inclusão na Constituição da “busca da felicidade” como norteadora dos direitos essenciais a todos os brasileiros, batizada de PEC, também é iniciativa do Movimento “.

Estranho, pensei comigo, que no século XXI, após Marx, Freud, nazismo, Vietnã, queda do muro de Berlin, Talibã e tanto mais, que alguém ainda acredite que encontrar a felicidade seja algo simples assim: inclua-se na Constituição e pronto! – ato contínuo, estaremos todos felizes.

Nesse espírito, cheguei ao Auditório Rui Barbosa no Campus do Mackenzie em São Paulo, para assistir a um concerto beneficente. O que me moveu até lá, devo confessar, não foi a benemerência, mas o fato de que seria uma oportunidade de ver de perto o Maestro João Carlos Martins, que regia a orquestra.

O que vi? Antes de tudo, um auditório lotado. Senhoras e senhores vestidos como para um concerto de antigamente, jovens em jeans e camisetas, crianças, uma mulher grávida comendo pipoca, um adolescente estilo emo que perguntava à mãe o que iria ouvir. Comecei a gostar. Enquanto aguardávamos a abertura das portas, passou um grupo grande de jovens negros e mal vestidos. Em outra situação, muitos ali segurariam preconceituosamente seus colares e carteiras, mas não ontem. Ontem, diante da entrada daquele auditório, havia uma amostra efetivamente democrática do Brasil.

O que se seguiu foi um espetáculo musical impossível de relatar. Um programa popular, diriam os mais habituados às salas eruditas. Pouco importa. Foi um programa delicioso, que passeou de Mozart a Ennio Morricone, que incluiu Fafá de Belém em dueto com um jovem tenor maravilhoso, Jean Willian, cantando Adoniran Barbosa, que sacudiu o Allegro com brio da Quinta Sinfonia de Beethoven com o retumbar de percussionistas da Vai-Vai e que encerrou a noite com chave de ouro, com a execução do Hino Nacional Brasileiro num arranjo de tirar o fôlego, iniciado pelo piano solo de João Carlos Martins que, de repente, ágil como um menino, salta da banqueta para se pôr como regente da orquestra. Um show!

Difícil descrever o impacto de ver aquele senhor, do alto dos seus quase setenta anos, falando de sonhos e de mudanças de vida, depois do revés que teria derrotado muitos outros, quase tirando dele o que tem de mais precioso, as mãos. Um senhor ao meu lado dizia: “um exemplo de superação”. Penso que é mais. Penso que é um exemplo do que se pode chamar de felicidade: não se trata de um estado, mas de um movimento, de uma busca, de uma construção.

O que vi ontem, nesse espetáculo, foi uma realização in loco do Movimento Mais Feliz. Saímos todos de lá, certamente, mais felizes do que entramos. Ouvindo o nosso Hino, tocado daquela maneira brilhante e apaixonada, me senti muito mais brasileira, impregnada mesmo dessa brasilidade maravilhosa, que nos empurra a persistir, a seguir em frente, a tentar de novo, a construir mais um pouco, sempre. Me senti feliz por estar ali, rodeada de um Brasil que é muito mais verdadeiro, digno e valoroso do que nos fazem crer as campanhas eleitorais mixas a que temos sido, todos, diariamente submetidos.

Obrigada, Movimento Mais Feliz. Obrigada, Maestro. Sigamos!



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