terça-feira, 30 de junho de 2009

tudo tanto

todos os dias
um só dia
todos os olhares
num olhar
todos os beijos
cada beijo
todos os desejos
encontrar

todos os amores
um só
todas as palavras
não dizem
toda a distância
se desfaz
tanto tempo
tanto faz

a cada ponto
um reencontro
todavia
tudo finda
todo fim
um recomeço
tanto sonho
que amanheço

'
imagem: Bleu II, Juan Miró
fonte da imagem: http://www.latifm.com/artists/image/miro-joan-bleu-ii.jpg

domingo, 28 de junho de 2009

destempo

tanto passado em meu caminho

constato
que não caminho
e que o tempo
não tem passado:
o pássaro que passa
dá o passo
mas não vai além do ninho
'

segunda-feira, 22 de junho de 2009

âncora


quanto esforço para manter os pés sobre o caminho
e o olhar em frente e no lugar a mente

o esforço é maior que o corpo
peso indizível, esse do presente

falta-me a âncora a prender-me no agora
uma dificuldade aportar aqui

há sempre esse ponto em que
de mim
quero ir-me embora

procuro, ávida, um soluço a me servir de basta
uma sombra a me servir de escora

enquanto isso
a vida passa
e o melhor de mim me ignora
'

quarta-feira, 17 de junho de 2009

[tudo tem seu tempo...]

tudo tem seu tempo:
morangos em maio
pêssegos em dezembro...

bem queria a nau dos dias pilotar...

trazer-te de volta
refazer os passos
concluir o beijo

mas perdi o leme
te perdi no mundo
e me perdi no mar...

paciência, menina, paciência...

neste estranho mundo
tudo tem seu tempo:
morangos em maio
pêssesgos em dezembro

um simples instante é eterno
e a vida toda é um momento

'

quinta-feira, 11 de junho de 2009

esconde-esconde

no mundo, o meu lugar
esteve sempre ao pé de mim
sem que dele jamais me apercebesse

agora, sim, estou segura
de pertencer, a mim e a ele,
tudo quanto não encontrei fora
quer procurasse longe ou perto

bem no fundo
- ou a céu aberto -
estava lá, largado e esquecido,
num recanto qualquer, perdido,
o íntimo estranho que lá dentro mora

ele me diz: certeza!

certeza?, indago
com infantil alívio: obrigada!

mas sua voz fugidia e zombeteira
desse lugar que não existe, me responde
como um eco:
de nada... de nada...

`

terça-feira, 9 de junho de 2009

blues

na imensidão escura da noite
escondo meus sonhos transformados

fica, assim, todo o céu pontilhado
de constelações de palavras ditas
que a mão do tempo torna escritas

por desejo ou mágica caem os versos
sobre a superfície desse mar que invento

e os reflexos do poema sobre as águas
tingem com tons de azul os sentimentos

'

sábado, 6 de junho de 2009

salva-me!


andar seguir andar
é um imperativo
uma força ou uma necessidade?
vem de onde, afinal, essa vontade
esse impulso que desassossega e agita?
além do corpo, além de mim, além do outro
retorce o mundo a minha volta
sussurra versos, alucina, grita
palavras mortas em minhas veias vivas
e em meu sangue as rubras letras vão compondo
temores, sonhos, surpresas nuas e desejos
pulsos cortados, olhos sem brilho
num lampejo escorre a vida no papel manchado
do que, vermelho, seria marca de ferida ou beijo

meu verso vai, solitário e forte
afastar o mal que já não vejo
que, sorrateiro, me conduz à morte

meu verso vai
segue intrépido sempre em frente,
que depois do abismo há de vir o ar
e lá em baixo a imensidão de um mar
em que estarei descolorida e amorfa
mas ainda viva e transparente
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imagem: Le Double Secret, René Magritte

quinta-feira, 4 de junho de 2009

indriso

ainda agora ontem era a hora
e, por mais que tanto houvesse,
nada via do que acontecia

só depois de ir-se embora
é que, no vazio da realidade,
brotou um pé de saudade

entre espinhos de melancolia

nasceu uma flor de amizade

'

terça-feira, 2 de junho de 2009

(des)espero




não era hoje que vinhas?
postei-me diante do mar
tantas horas diante das ondas
areias brancas cobriam-me os pés
o sal pentrando nos poros
e nada de ti, nada de ti...

quando era mesmo que vinhas?
tantos barcos aportando no cais
tanta nuvem, chuva boa
o vento esqueceu-se das velas
e veio fazer-me um carinho
e nunca teu rosto, nunca...

não me tinhas dito que vinhas?
colorido de sol nascendo
colorido de dia findo
lua branca sobre a água escura
era minha palidez se refletindo...

águas, nuvens, barcos, portos
meu tempo no mundo escoando...

só diante do horizonte
um a um desfiaram-se os dias...
tornei-me toda sal e areia
mas nunca vieste
sempre partias...
'