O tempo passa, as teorias acerca do humano proliferam, ciência e filosofia discutem tão mais arduamente quanto mais marketing e patrocínios possa haver em jogo. Mas, no final, sempre há algo que escapa. Um amigo me diz sempre, “nada do que é humano me surpreende”. Ele tem razão. Duas notícias que pulularam nas páginas jornalísticas nas últimas semanas podem bem ilustrar isso.
Primeiro, Michael Phelps, o super-hiper-mega campeão olímpico, símbolo carimbado em todas as bandeiras da geração-saúde, é flagrado fumando maconha. Ohhhh... Mácula imperdoável para a sagrada família americana, que sempre teima em empurrar o pó para baixo dos tapetes. Ora, o moço estava numa festa, fumando cannabis num narguile, como tantos outros o fazem cotidianamente, tanto lá como cá. Se ele fosse flagrado com um copo de whisky, escocês evidentemente, será que as reações seriam as mesmas? Será que os patrocinadores, que agora se retiram em nome de uma não-vinculação de sua marca às drogas, teriam a mesma atitude? Ou, mais provável, o fato seria rapidamente apropriado pela mídia e, ao invés de virar escândalo, a tal fotografia teria se transformado em peça publicitária de qualquer Johnnie Walker ou Jack Daniel’s.
Não se trata, evidentemente, de fazer a apologia da maconha. O meio científico não cansa de desfiar todos os problemas físicos e psíquicos que decorrem de seu uso e de sua dependência. O problema dessa celeuma está, mais uma vez, na hipocrisia de depositar o mal no outro, no que está longe, no que mora fora da própria casa ou do próprio corpo. Fumar maconha faz mal à saúde, isso é um fato. Mas fumar nicotina, também. Consumir álcool em excesso, também. Comer gordura saturada, também. A questão é que toda a mídia que transformou o flagrante do Phelps em notícia não está nem aí pra saúde dele, ou de quem quer que seja. A preocupação é com a imagem, com as marcas, com os milhões de dólares investidos em propaganda. Phelps fuma maconha? Azar dele! E azar também de toda a horda de exploradores que confunde gente com objeto de consumo, e que gastou um monte de dinheiro comprando algo que nunca está, de fato, a venda: uma pessoa!
A outra notícia que ocupou o falatório nacional é a da Paula, a brasileira agredida por neonazistas na Suíça. Agora – bomba! bomba! – estão dizendo que a moça não estava grávida, e há mesmo quem diga que, como as letras do tal partido xenófobo estão muito simetricamente desenhadas no seu corpo, há um indício de auto-mutilação. Pode ser, pode não ser. O que espanta, é o tanto de palpites que se dizem e se escrevem. E, numa história como essa, é fácil se perder entre o limite do público e do privado. Se houve mesmo um ataque, trata-se de um caso de polícia e, claro, de relações exteriores entre o Brasil e a Suíça. Mas, se não houve, deixa de existir um fato diplomático. Retorna-se ao sempre surpreendente mundo das vicissitudes humanas. Já ouvi alguém perguntar: mas porque uma moça culta, advogada, faria uma barbaridade dessas com o próprio corpo? Engraçado que, nesta altura da evolução (?) da humanidade, alguém ainda creia que inteligência e cultura sejam antídotos contra as estranhezas das pulsões que nos habitam. Engraçado também, que ninguém faça a mesma pergunta quando uma jovem qualquer se dispõe a injetar não sei quantos litros de silicone no peito, como se o fato de estar em concordância com a moda tornasse o ato menos bárbaro.
Sim, meu amigo tem razão. Nada do que é humano deveria nos surpreender. Porque histórias como essa só vem confirmar, dia após dia, que não há modelo - filosófico, psicológico, neurobiológico, genético, esotérico – que dê conta das complexidades absolutamente únicas e particulares daquilo que é a verdadeira assinatura de cada um: sua constituição subjetiva.