sexta-feira, 31 de outubro de 2008

duplos

Marcia Szajnbok

ah, essa minha alma inquieta...
muda o instante, tem já outra meta!

ah, esse meu sonho de liberdade...
o que mais aprisiona é amor ou saudade?

caminho, caminho, e vem junto a tristeza...
mas se um pássaro canta, reencontro a leveza!

num momento mergulho, pura melancolia...
noutro transformo essa dor em poesia!

que ser estranho sou eu, que ora foge, ora busca?
que luz é essa que quero, que me ilumina e ofusca?

em corda bamba vacilo, entre a entrega e o segredo...
em que braços hei de lançar-me, em salto mortal, sem medo?

`

imagem: M.C.Escher, Birds


quarta-feira, 29 de outubro de 2008

[há cores...]


Marcia Szajnbok
há cores
sinto-as permeando-me os tecidos
sofro-as quando, transparente,
reencontro no mundo meus sonhos esquecidos...

há sons
ouço a música que meu corpo exala
espalho-a, liberto-a de mim, ressôo
contamino com ela quem meu perfume inala...

há toques
suavizam-me o corpo os teus abraços
me aqueces, te embalo
unificadas, as superfícies fazem laços...

há vida
algo pulsa, flui-me o sangue em movimento
sorvo-te, sopras-me
põe comigo mais uma luz no firmamento...
'

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Amor III


Marcia Szajnbok


Qual é do amor a essência mesma
Senão a brevidade com que o vento toca a pétala?

Ou o átimo que dura a nota,
E magicamente gera no espírito toda a emoção da música?

Ama-se sempre eternamente...
Mas a eternidade do amor não se mede em unidade de tempo...

Há as marcas... há as lembranças...
A infinita alegria de saber-se triste pelo irrecuperável,
Pelo perdido ou passado que jamais nos deixa...

Mais nada, pura miragem
Oásis imaginário no deserto do cotidiano,
Que estranhamente sempre nos deixa os pés molhados...

'fonte da imagem: http://blog.uncovering.org/archives/2006/09/imagens_magicas.html

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

nós




marcia szajnbok




não me perca

não me deixe
escorrer-te pelos dedos
me segure, me retenha

me seduza, me conquiste
seja a vírgula, seja o ponto
me ame, me ate, me capte

não permita que eu
- mais uma vez -
escape…


fonte da imagem:http://josegoncalez.files.wordpress.com/2007/11/gaivotas.jpg



quinta-feira, 23 de outubro de 2008

vácuos




Marcia Szajnbok




não há nada de azul no céu
but seeing the skies of blue
enche meu coração de alegria…

nem há nuvens brancas planando
mas, sem suas formas mutantes
por onde o pássaro errante
se orientaria?

a estrela que vejo já morreu
mas seu brilho continua
por anos-luz vagando, intenso...

e numa tela percorro em segundos
o azul virtual mundoearth
que já não é mais tão imenso...

há tanto que não se vê!
tanto existe que não se toca!
há tanta vida no que é palavra
no que o vento leva
no que o tempo corta...

há tanto que existe
no que não existe
para quem, cego, insiste
em só crer no que pode olhar!

há tanto que faz efeito
mesmo não sendo perfeito
para quem sabe exergar...


'
imagem: Golden Bubbles, Mandelbrot Bubble Fractal
fonte da imagem: www.fantastic-fractals.com/

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Soneto


Marcia Szajnbok


Não quero conhecer de ti só teu melhor
Quero também aquilo de que não gostas
O que tens como mau, vergonhoso, triste
Quero que me ofereças até que saiba décor

A melancolia que tantas vezes te habita,
Quero-te nos teus dias maus, de frio, de baixa
Quero te amar além do que é terno e doce
Quero pôr à prova minha vontade infinita

De trazer à luz meus melhores devaneios
Pois, do modo como te amo, meu amor,
O que tenho em mim de calor basta

Para extinguir para sempre teus receios
Derreter até a última gota do teu gelo
E estreitar a distância que te afasta...

`

[Imagem: Amanda Szajnbok de Faria, Luz e Sombra]

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Paisagem Marinha III


Marcia Szajnbok




Pés descalços
Areia e água sob minha pele
Sigo a orla tortuosa
Sem meta, porto, ou quem quer que me espere...

Distante de toda voz humana
Só o mar sussurra segredos...
Por vezes o ritmo perfeito
Se interrompe de repente
Quando a onda atinge a pedra
Sem delicadeza...

Nesse momento
Meu coração ecoa, arrítmico,
A surpresa...

Arregalo os olhos para que a luz me inebrie:
A tendresse rósea das manhãs,
O amarelo-dourado dos poentes...

À noite, o paradoxo claroescuro do luar
Torna-me a pele ainda mais branca
Quase exangue ou transparente...

Sorvo todo esse vinho
Que vem do céu escuro, das estrelas, do infinito...
Vinho tinto e encorpado com sabor de céu estrelado...
Seu efeito de euforia e calma
Todo meu corpo o sente...

Ouço musica
De algum ponto emana vago piano...
Fragmentos de conversas, vozes de algum tempo...
Sons de festa, choros, risos de crianças, cantiguinhas:
Lá em cima do piano tem um copo de veneno...
Quero prová-lo, esse vinho envenenado
Que já assassinou reis e rainhas...

Volátil, com ele evaporo
Me desfaço, desapareço...
Vejo-me, nesse momento, sobre as ondas, um reflexo:
Apenas mais uma entre a multidão de inominadas estrelas...

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Ecdise

Marcia Szajnbok
`
Abriu os olhos e iniciou a contagem regressiva: 30, 29, 28... Quando pensou – “zero!” – o despertador tocou. Sorriu, orgulhoso da própria precisão. Tomou a agenda, já aberta na data correta sobre o criado-mudo, marcou a lápis um pontinho e, no canto da página, contabilizou 1567: um mil e quinhentos e sessenta e sete dias - há quase cinco anos, seu relógio biológico mantinha-se absolutamente exato!
Sem acender as luzes, pegou roupas limpas. A monotonia dispensava iluminação: todas as camisas eram brancas, todas as cuecas cor da pele, as calças e as meias eram pretas, sem detalhes. O café da manhã tampouco comportava surpresas. A mesa já ficava sempre pronta na noite anterior, a torradeira a postos, café-com-leite, pão e manteiga.
O percurso de casa ao trabalho era sempre feito a pé. Da porta do apartamento ao elevador do prédio de escritórios, 648 passos. Divertia-se em fechar os olhos em alguns trechos do caminho e, apenas pelo controle numérico, adivinhar onde estava. “Bingo!”, festejava consigo mesmo sempre que acertava. E acertava sempre. Por isso, aquela manhã de quarta-feira foi um verdadeiro divisor de águas em sua vida matematicamente controlada.
Após atravessar a avenida, deveria seguir 44 passos e então virar à direita. Decidiu fazer ali a brincadeira dos olhos fechados. Foi seguindo, firme e convicto, 43, 44... e bateu de cara num obstáculo! Demorou alguns segundos para compreender que aquilo era um tapume. Surgido da noite para o dia, fechava o acesso à rua onde trabalhava. Destacado do fundo roxo e preto, o aviso amarelo ordenava “Desvio”, a seta autoritária apontando para a esquerda.
Atônito, não se movia. Estava ali, mergulhado no próprio desamparo, quando ouviu a risada. Bem a seu lado estava a moça, rindo. Como jamais falava com estranhos, apenas dirigiu a ela um olhar interrogador: está rindo do quê? E ela, que falava muito, e sempre, até mesmo quando não tinha interlocutor, foi respondendo à questão não proferida:
- Machucou? A gente tem que tomar cuidado. Nesta cidade todo dia aparece um buraco novo, ou um poste, ou um muro. Outro dia, eu estava indo para casa e...
Sem conseguir prestar atenção a tudo o que ela dizia, foi se deixando levar apenas pelo tom de sua voz melodiosa e alegre. Era uma moça bonita, morena, esguia, os olhos transbordavam expressão.
- Você vai ficar aí parado? Vem, vamos tomar um café.
E ele foi. Sem contar os passos, sem saber exatamente para onde, deixou-se ir com ela. As palavras lhe escapavam. O que o mantinha como que hipnotizado eram os movimentos. Ela andava gingando o quadril, movia as mãos enfatizando as frases, arregalava os olhos, jogava o cabelo para trás com um movimento serpenteante do pescoço. Estava impressionado com aquele corpo – tudo nele comunicava.
No balcão da padaria, ela pediu: dois cafés. Puros? Sim, puros. E ele apenas assistiu à cena, esquecido por um momento de que, até então, sempre pedia um pingado. Saboreou o amargo da bebida quente, e o cheiro que subia da xícara misturou-se ao perfume da moça e ao aroma de pão recém assado.
Talvez tenha sido o excesso de cafeína e de olfato, talvez o exagero de expressividade que emanava daquela moça, ou o burburinho emocional que o invadia naquela manhã atípica. O mal-estar surgiu de repente. Começou a suar frio, esfregava as mãos procurando a porta com o olhar. Tinha ímpetos de sair correndo, mas achava que, se levantasse, iria desmaiar. Uma espécie de formigamento percorria-lhe todo o corpo. Tentava se concentrar: não perca o controle, não perca o controle... O estômago se contorcia, o mundo todo girava. Não conseguiu evitar. O vômito veio num jato. Sujou os próprios sapatos, o balcão da padaria, os pés da moça. Todos os olhares, enojados, reprovavam-lhe severamente aquele ato. Tinha ganas de gritar, de justificar, de explicar que não fizera aquilo de propósito, que sentia muito, que nunca passara por uma situação como aquela...
Nunca passara por uma situação como aquela. Esse pensamento reverberava Via-se menino comportado, adolescente contido, adulto regrado. Sempre tivera o esmero de manter tudo em ordem, a casa, o armário, os estudos, a vida. E agora, isto! De que adiantara tanto esforço? Para que servira ter aberto mão de tanta coisa? Dietas balanceadas mesmo diante do sorvete mais apetitoso, a recusa automática a todos os desafios que lhe haviam proposto, a pontualidade levada germanicamente a sério. Nenhum amigo íntimo demais, não se pode confiar muito nas pessoas. Nenhum enamoramento, a paixão nos desvia do bom equilíbrio. Nenhuma explosão de ira, a violência nos aproxima dos seres irracionais. Nunca passara por uma situação como aquela. De fato, nunca passara por situação nenhuma. E agora, toda a assepsia da vida parecia ter ido por água abaixo, mergulhada no mais prosaico dos produtos que um corpo humano pode produzir.
Foi, novamente, o riso da moça que o acudiu.
- Ressaca em plena quarta-feira? Mal, hein?!
Conduzido por ela, entrou no cubículo escuro e malcheiroso que era o banheiro da padaria. Havia apenas o vaso sanitário e uma pia minúscula, sem sabonete, papel higiênico ou toalhas. Abriu ao máximo a torneira, esperando um jato de onde só saía um filete de água. Precisava apenas lavar a boca, mas tinha necessidade de limpar-se por inteiro. Começou pelo rosto e cabelo. Depois, tirou a camisa e jogou água fria no peito. Mecanicamente, foi se despindo por completo, molhando todo o corpo. Comprazia-se da sensação provocada pela água escorrendo sobre a pele. Aquela limpeza sem sabão lembrava mais um batismo que um banho. Tremia, um pouco de frio, um pouco não sabia do quê.
Do lado de fora, a moça se impacientava. Bateu e, sem esperar resposta, entreabriu a porta. Quando deu com o homem nu, arregalou um pouco os olhos, sorriu maliciosamente e entrou. Antes que ele tivesse tempo de dizer ou fazer qualquer coisa, a moça já havia levantado a saia, tirado as roupas de baixo, e se pendurado em seu pescoço, enlaçando-o com as pernas pelo quadril. A cena insólita era bonita: um casal jovem, amando-se assim, de improviso, em pé, como bichos. Pareciam se conhecer de longa data, tanto que os gestos se entendiam. Não havia lugar para palavras. Apenas movimentos, toques, sensações. Ao final, ainda ficaram ali abraçados, conectados um ao outro, em silêncio, tentando, cada um, reter no próprio corpo a memória do gozo do outro.
Foi ela, novamente, que pôs a vida em marcha.
- Melhor você se recompor. Quase num movimento único, vestiu-se, beijou-lhe de leve o rosto, e saiu.
Menos de cinco minutos depois, também ele retornava ao mundo real. Não deu muita importância aos risinhos de canto e aos olhares divertidos que trocavam os funcionários da padaria. Procurou-a junto ao balcão, na calçada, do outro lado da rua. Nada. Desaparecera no meio da correnteza humana que se deslocava pela avenida no meio da manhã. Pensou que estava bem atrasado para o trabalho, e que nunca antes havia faltado a nenhum compromisso profissional. No céu azul, nenhuma nuvem. Deixou-se ir, anônimo no meio da turba, sem saber exatamente para onde os passos o levariam. Viu-se refletido na vitrine de uma loja. Diante da estranha sensação de reconhecimento e perplexidade, sentiu vontade de rir. De início, até procurou conter-se, mas depois deixou o riso vir. Veio tímido, depois foi crescendo, explodiu numa crise de gargalhadas, daquelas que fazem os olhos se encherem de lágrimas. Os passantes olhavam, curiosos, e quanto mais se via observado, mais gargalhava. O dia estava lindo. Queria caminhar. Estava livre, e naquele instante lhe bastava isso: caminhar e sentir o calor do sol.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

vendaval


marcia szajnbok


mais mais mais
e tanto e com tal fúria
que tudo varre
tudo leva derruba arrasa
um vento um sopro
que devasta
em rodopio minha vida arrasta
e cega da poeira e do cansaço
rarefeito meu corpo
sou pedaço
não caminho
sou levada
solta e a cada passo
um tropeço
num soluço
a solução que já não busco
sou apenas
sem adjetivo e advérbio
sem mais nada
matéria pura
nua

tua

no meio do caos urbano
minúsculo
inseto transparente
que esvoaça
em plena rua

`

terça-feira, 14 de outubro de 2008

náufrago


marcia szajnbok


náufrago
era preciso que se agarrasse
a qualquer pedra, ou planta, ou alga
que alcançasse, com o pé, apoio
um só ponto que fosse
ou que enchesse de ar o peito
até se tornar, ele próprio, bóia...

era preciso que houvesse algo
era imperativo que achasse
a pedra, a planta, o apoio
era ugente que se lembrasse
ao menos, de respirar...

sem saber como ir para cima ou para baixo
sem saber onde o sul, onde o norte
por momentos fechava os olhos, entorpecido,
imaginava-se em doces braços amorosos...

porque quando vinham as enormes vagas
e o escuro do céu sem luar e sem estrelas
se confundia com o escuro da profundeza infinita
- do mar, de si mesmo, de tudo -
era preciso, antes, acreditar...

a água lhe congelava as entranhas
já não sentia dor, nem frio, nem medo
bastava deixar-se ir ao sabor das correntes
a alma presa ao corpo por fio tão tênue...

náufrago
num momento qualquer, se decidiu
num momento sem importância
sem marca, sem sentido
num instante comum
- pudera ser outro -
deixou-se, simplesmente, ir com as águas
deixou-se...

seu corpo-água se desfazendo
os pensamentos-água desintegrando
os sentimentos-água se diluindo
naquele mar de corações
salgados
afogados
retorcidos...

náufrago e mar
um só
para sempre
unidos...
'

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

mortevida


marcia szajnbok


vivo
vejo
vivos mortos
mortos vivos
quase mortos ainda vivos
pouco vivos quase mortos

no silêncio
morro

diante do absoluto
abre-se o leque das infinitas possibilidades
diante do emudecido
fecha-se a porta das mentiras e verdades



imagem: Alex Cerveny, sem título

fonte da imagem:http://diversao.uol.com.br/album/alex_cerveny_album.jhtm

domingo, 12 de outubro de 2008

Diálogos Poéticos: Machado com Florbela


SONHOS

Oh! si elle m'eût aimé!
A. De Vigny

Se ela soubesse por que tremo às vezes
Como um junco nas bordas de um regato;
E àquele olhar de uma volúpia ardente
Fecho os meus pobres olhos de insensato.

Se ela soubesse por que a mão convulsa
Sinto ao pousar em um adeus a sua;
E por que um riso de amargura e tédio
Pousa-me no calor da face nua;

Quem sabe se piedosa, no silêncio,
Em oração, à noite, me alembrara;
E por mim em meu êxtase querido
Uma furtiva lágrima soltara!

Quem sabe, se amorosa, pensativa,
Amadornada em lânguidos desejos,
Viria compulsar-me o livro d'alma
E minha fronte batizar de beijos...

E saberia então que de soluços
Os lábios me entreabrem de paixão!
Que de prantos resvalam de meus olhos,
Com o orvalho de minha solidão!

Veria que este fogo de meus versos
É a febre de amor de meus suspiros,
Onde me vai a flor da mocidade
Como flor que enlanguece nos retiros.

Mas... são sonhos, meu Deus! estes tormentos
Irão comigo resvalar na cova;
E serão o crisol de meu espírito
Quando passar a uma existência nova.

Sonhos de insensatez! delírio apenas!
Cresceu em alta rocha a flor querida;
Verme rasteiro tateando os ermos
Não beberei naquele seio — a vida!

Passarei como sombra ante os seus olhos.
Frios, sem eco — soarão meus cantos;
E aqueles olhos que eu amei, calado
Não me hão de as cinzas orvalhar com prantos!

E nos silêncios de uma noite límpida
Sobre a campa que me há de enfim cobrir.
Da flor daqueles lábios — uma reza
Como um perfume não virá cair!

Devanear eterno! o amor de louco
Hei-de fechá-lo na mudez do peito...
Vem tu, apenas, lânguida saudade,
Noiva dos ermos — partilhar meu leito!

[Machado de Assis]


FLOR DO SONHO

A Flor do Sonho, alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!
...Milagre... fantasia... ou, talvez, sina...

Ó flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!...

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh'alma
E nunca, nunca mais eu me entendi...

[Florbela Espanca]


Fonte das imagens: http://www.monsores.net/blog/wp-content/uploads/2008/06/florbela-espanca.jpg
http://www.senado.gov.br/comunica/historia/imagens/machassis.jpg

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

soneto do tempo que passa


marcia szajnbok


mais me toma a perplexidade
a cada novo dia que vivo
um sopro em momento furtivo
...vai-se o cristal da felicidade

o que era para ser eterno
desfaz-se no ar em fumaça
e tempo é barco que passa
conduzindo ao paraíso ou inferno

há séculos separando
a imagem que vejo no espelho
e a cronologia da idade

alma e corpo se descolando
é marca de que se está velho
ou porta para a liberdade...


quarta-feira, 8 de outubro de 2008

microscopia


marcia szajnbok


punha- me no microscópio
a ver de que matéria era feita:
órgãos, tecidos, células
organelas, membranas
genes, moléculas
átomos, partículas
simples cargas elétricas...

no fim, grandes vazios
permeando
a pouca substância

no fim, no corpo e na mente
a constatação de que somos
simplesmente
um pouco de nada
revestido de pouco
que, à distância,
só engana o olhar do outro
provisoriamente...


imagem: Purkinje CellsLudovic Collins, confocal micrographWellcome Biomedical Image Awards 2006

terça-feira, 7 de outubro de 2008

[gosto de ver o outro lado das coisas...]


marcia szajnbok


gosto de ver o outro lado das coisas
o que há além
por trás
embaixo
o que escondem, seu avesso
pois nada é como parece, nada é fixo
tudo sempre espalha
como líquido
que deixa um rastro:
o molhado, sua marca -
mas não se captura
em vão, alguém tenta retê-lo
mas ele sempre
escorre ou evapora
- escapa.

.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

vertigem


marcia szajnbok

só,
a ponto de falar com os retratos
só,
de não se achar no mundo vasto
só de tudo
sem ninguém
só seu corpo
numa escada
espiralada
que só desce
para o nada

'

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Amor II


Marcia Szajnbok


Sempre adorei caleidoscópios...
Simples cacos de vidro colorido
Compondo e recompondo imagens infinitas
Irreprodutíveis formas
Minúsculos vitrais vivos...
Como o vento em dunas,
Como ondas no rochedo:
Sempre o mesmo e o eterno diferente...
Mera ilusão de similitude
Tola miragem tecida na distância
Que se desfaz quando a vista pousa e o coração toca
No que é agora sem jamais ter sido,
E nem tem a possibilidade de vir a ser novamente...
'
O amor é tal sussurro que recobre o intante,
E pára o tempo.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

mitos

Marcia Szajnbok

penso às vezes que não vivo
que isto que suponho vida
é, de fato, o sonho de alguém
que um dia vai despertar
e, nesse instante, me desfarei...

penso nisso desde menina!
imaginava haver outro mundo
e nesse mundo, outra de mim
e me perguntava como seria
se essa minha cópia cósmica
um dia me aparecesse
e eu comigo me confundisse
e depois já não soubesse
a qual mundo pertencia...

idéias de criança
que gente grande acalenta
um jeito que a cabeça inventa
para diminuir a dor e a consciência
do quanto a vida é sem consistência...

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

primavera

Marcia Szajnbok
e, de repente, numa manhã qualquer
o coração desperta leve
misteriosamente
sem tristeza
sem desesperança

até ontem, a alma cativa
de um não-sei-quê escuro e opaco,
não supunha sequer
este fluir de sorriso e canto
que magicamente
agora avança

uma noite sem sonhos
nenhuma efeméride
nada...
a quietude vem da ausência da dor...
feliz, respira a alma aliviada
sossegadamente
a paz da aurora mansa

tons de rosa e lilás tingidos
por azul e alaranjado
uma frescura de ar puro e perfumado
preenche cada poro, cada medo
até que o corpo inteiro vire
completamente
um buquê de flor que ao mar se lança...


'
[para entrar no clima, nada melhor do que Tim Maia... http://www.youtube.com/watch?v=sfGQNHu-FNE]