domingo, 12 de outubro de 2008

Diálogos Poéticos: Machado com Florbela


SONHOS

Oh! si elle m'eût aimé!
A. De Vigny

Se ela soubesse por que tremo às vezes
Como um junco nas bordas de um regato;
E àquele olhar de uma volúpia ardente
Fecho os meus pobres olhos de insensato.

Se ela soubesse por que a mão convulsa
Sinto ao pousar em um adeus a sua;
E por que um riso de amargura e tédio
Pousa-me no calor da face nua;

Quem sabe se piedosa, no silêncio,
Em oração, à noite, me alembrara;
E por mim em meu êxtase querido
Uma furtiva lágrima soltara!

Quem sabe, se amorosa, pensativa,
Amadornada em lânguidos desejos,
Viria compulsar-me o livro d'alma
E minha fronte batizar de beijos...

E saberia então que de soluços
Os lábios me entreabrem de paixão!
Que de prantos resvalam de meus olhos,
Com o orvalho de minha solidão!

Veria que este fogo de meus versos
É a febre de amor de meus suspiros,
Onde me vai a flor da mocidade
Como flor que enlanguece nos retiros.

Mas... são sonhos, meu Deus! estes tormentos
Irão comigo resvalar na cova;
E serão o crisol de meu espírito
Quando passar a uma existência nova.

Sonhos de insensatez! delírio apenas!
Cresceu em alta rocha a flor querida;
Verme rasteiro tateando os ermos
Não beberei naquele seio — a vida!

Passarei como sombra ante os seus olhos.
Frios, sem eco — soarão meus cantos;
E aqueles olhos que eu amei, calado
Não me hão de as cinzas orvalhar com prantos!

E nos silêncios de uma noite límpida
Sobre a campa que me há de enfim cobrir.
Da flor daqueles lábios — uma reza
Como um perfume não virá cair!

Devanear eterno! o amor de louco
Hei-de fechá-lo na mudez do peito...
Vem tu, apenas, lânguida saudade,
Noiva dos ermos — partilhar meu leito!

[Machado de Assis]


FLOR DO SONHO

A Flor do Sonho, alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!
...Milagre... fantasia... ou, talvez, sina...

Ó flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!...

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh'alma
E nunca, nunca mais eu me entendi...

[Florbela Espanca]


Fonte das imagens: http://www.monsores.net/blog/wp-content/uploads/2008/06/florbela-espanca.jpg
http://www.senado.gov.br/comunica/historia/imagens/machassis.jpg

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