sexta-feira, 29 de agosto de 2008

UM POUCO DE MARIO QUINTANA


Os Poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...


O luar

O luar,é a luz do Sol que está sonhando



Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho,Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...



O Auto-Retrato

No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...

e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!


O pior

O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.

[Mário Quintana (1906-1994), poeta gaúcho, trabalhou em vários jornais, traduziu Proust, Conrad, Balzac, e outros autores de importância. Em 1940, lançou Rua dos Cataventos, seu primeiro livro de poesias. Seguiram-se Canções (1946), Sapato Florido (1948), O aprendiz de Feiticeiro (1950), Espelho Mágico (1951), Quintanares (1976), Apontamentos de História Sobrenatural (1976), A Vaca eo Hipogrifo (1977), Prosa e Verso (1978), Baú de Espantos (1986), Preparativos de Viagem (1987), além de varias antologias. Sobre Quintana, diz Carlos Heitor Cony: "Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema" - foi assim que ele definiu sua poesia e, em parte, se definiu.Culltivava, sem dúvida, uma nostalgia existencial que os críticos julgaram expressão de passadismo. A sutileza de seu humor chegava às vezes à total irreverência, a visão lírica da aventura humana, o menino atrás da vidraça, o homem que mora dentro dele mesmo: o poeta.(...) Foram os jovens que descobriram Quintana, já ancião mas ainda poeta".]

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